Alexia Bomtempo realça afetos e melodias de hits foliões na batida serena do álbum 'Doce Carnaval'

Artista suaviza cadências de samba-enredo, frevo e sucessos da axé music em disco poliglota gravado com participações de Fernanda Abreu, Josh Klinghoffer, Maïa Barouh, Otto e Roberta Sá.

Alexia Bomtempo realça afetos e melodias de hits foliões na batida serena do álbum 'Doce Carnaval'

♪ Quem dançou forró ao som do registro original de Mal acostumada (Meg Evans e Ray Araújo) –música apresentada em 1997 pela banda baiana Cabelo de Fogo – ou caiu na cadência do samba na aliciante regravação do Ara Ketu que estourou no Brasil em 1998, fazendo todo mundo ir atrás do trio elétrico do grupo soteropolitano, talvez nem tenha percebido que Mal acostumada é, em essência, música de amor cuja letra é uma declaração e um pedido de volta ao ser amado.

O caráter afetuoso da composição fica bem nítido na gravação feita por Alexia Bomtempo com Otto, em tons suaves, para Doce Carnaval, quinto álbum dessa cantora e compositora de origem norte-americana (mas filha de pai brasileiro) que viveu anos na cidade do Rio de Janeiro (RJ) antes de voltar aos Estados Unidos para residir no Brooklyn (Nova York, EUA).

Foi nos Estados Unidos, mas com pontes virtuais com músicos e cantores do Brasil, que Alexia deu forma ao disco lançado no Brasil na sexta-feira, 5 de agosto, pelo selo Lab 344 (há edições em LP e CD previstas pelo selo norte-americano Rodeadope).

A ideia de Doce Carnaval – evidenciar melodias e poesias de músicas geralmente cantadas no calor esfuziante da folia – já rendeu discos como Rasguei minha fantasia (2001), da cantora Alaíde Costa.

Contudo, o recorte de Doce Carnaval vai além dos salões onde imperavam as marchinhas. O repertório irmana sambas, sambas-enredos, frevos e hits da axé music, como Rapunzel (Carlinhos Brown e Alain Tavares, 1996), sucesso de Daniela Mercury que, verdade seja dita, soa sem brilho fora da folia baiana.

Em contrapartida, a lembrança do samba-enredo Domingo (Waldir da Vala, Aurinho da Ilha, Ione do Nascimento e Adhemar de A. Vinhaes) – escolhido e gravado em 1976 pela escola de samba carioca União da Ilha do Governador para o desfile do Carnaval de 1977 – é grande achado.

 

A melodia de Domingo é tão bonita quanto à do mais lembrado O amanhã (João Sérgio, 1977) – samba-enredo da mesma União da Ilha no Carnaval de 1978 – e se ajustou bem ao dueto harmonioso de Alexia com a carioca Fernanda Abreu.

Domingo exemplifica bem a contemporaneidade do caminho sonoro seguido pela artista no álbum formatado com produção musical de Alexandre Vaz e Jake Owen, com a colaboração do percussionista brasileiro Mauro Refosco, creditado como coprodutor de Doce Carnaval.

 

Alexia Bomtempo regrava o samba-enredo 'Domingo', do Carnaval carioca de 1977, em dueto com Fernanda Abreu — Foto: Nathan West / Divulgação

São de Refosco as programações de Domingo, faixa que evolui bem, sem atravessar o samba e pondo em primeiro plano um enredo bem carioca.

Alexia também acerta ao desacelerar o passo do frevo Banho de cheiro (Carlos Fernando, 1983) na gravação feita com Roberta Sá. Entre sons atuais, há ecos e levadas da bossa eternamente nova na faixa.

A bossa carioca também reverbera no arranjo da opaca e inédita composição autoral em inglês, Chamaleon lovers (Alexia Bomtempo, Philippe Powell, Alexandre Vaz e Jake Owen, 2021), que abre o disco em gravação feita pela artista com a participação vocal de Josh Klinghoffer, ex-guitarrista da banda norte-americana Red Hot Chili Peppers.

Se o baticum estilizado de Chamaleon lovers soa como Carnaval feito para gringo, a pulsação de La nuit des masques – versão em francês de Noite dos mascarados (Chico Buarque, 1967), escrita por Pierre Barouh (1934 – 2016) e cantada por Alexia com a cantora franco-japonesa Maïa Barouh – segue o passo original da marcha-rancho, ainda que banhada pela sonoridade atual do disco.

Na cadência do samba Às três da manhã (Herivelto Martins, 1946), a tradição também dialoga bem com a modernidade em ponto luminoso do álbum Doce Carnaval, inclusive porque o belo samba apresentado ao Brasil na voz de Aracy de Almeida (1914 – 1988) tinha sido lembrado até então somente por Moraes Moreira (1947 – 2020) em gravação feita para disco editado no já longínquo ano de 1977.

 

Gravado por músicos do naipe de Alberto Continentino, Alexandre Kassin, Jaques Morelenbaum, Jorge Ailton, Milton Guedes e Stéphane San Juan, o álbum Doce Carnaval também reprocessa Direito de amar (1973), joia do compositor baiano Oscar da Penha (1924 – 1997), o Batatinha.

Tanto Às três da manhã quanto Direito de amar jamais soam modernosos como Quero morrer no Carnaval (Luiz Antônio e Eurico Campos,1961), samba alocado ao fim do disco, quase como vinheta, em faixa de um minuto e meio com vocais, mas sem a letra lançada na voz da cantora Linda Batista (1919 – 1988).

No todo, Alexia Bomtempo brilha ao realçar afetos e melodias de músicas foliãs na batida serena do álbum Doce Carnaval.

Fonte:Alexia Bomtempo realça afetos e melodias de hits foliões na batida serena do álbum 'Doce Carnaval' | Blog do Mauro Ferreira | G1 (globo.com)