Carlos Bernardo engrossa coro dos sem-terra por condições igualitárias aos assentados da Nova Itamarati
Foi num evento cheio de simbolismos que os sem-terra do Acampamento Alexandre Sabala, em Nova Itamarati, município de Ponta Porã, comemoraram neste domingo o “primeiro ano de resistência”, depois do período de estagnação processo de desapropriação no governo Bolsonaro. Convidado especial das festividades, do alto de sua autoridade como um dos maiores investidores na região de Fronteira Brasil/Paraguai, o CEO da UCP (Universidade Central do Paraguai), Carlos Bernardo, prometeu fazer lobby junto à bancada federal de Mato Grosso do Sul para cobrar do presidente Lula o cumprimento do item de sua plataforma de governo conhecido como “prateleira de terras” – desapropriação de cerca de 220 fazendas improdutivas, 52 só no MS – com o que o sonho, mais especificamente daquelas famílias ali reunidas, estaria mais próximo de se transformar em realidade.
De olho nas eleições municipais do ano que vem, quando pretende influenciar na eleição de aliados para prefeituras e câmara de vereadores de municípios da região, mas evitando falar de política, Carlos Bernardo focou sua fala na questão agrária, lembrando sua infância pobre em Nova Andradina, onde conheceu o primeiro acampamento de sem-terra. “Me criei com o pé na lama”, disse, tocado pela emoção, depois de se deter por alguns minutos, antes de sua fala, nos movimento de uma criança, filha de um dos presentes, tentando fazer um “castelo de areia” com a terra do chão batido do local onde se realizava o evento. Comparou o ato ingênuo da pequena Helena aos moderníssimos algoritmos, pela condição inata daquela filha de gente humilde e trabalhadora que sonha ter seu pedaço de terra.
Num evento realizado sob uma lona branca, a mesma cor predominando na maioria dos barracos ao derredor, na presença de um grande empresário, como Carlos Bernardo, os menos avisados poderiam até imaginar que o anfitrião não era mais aquele MST tão temido por invasões e até matança de gado (para comer) nas áreas invadidas. Mas o ritual mística do MST, outrora composto por elementos religiosos, como a cruz e a leitura da Bíblia, mostrou que o movimento continua firme e forte em seus propósitos, com a leitura de palavras de ordem e textos lembrando o “triste período” da Lava Jato, com suas consequências nefastas para os movimentos sociais, predominantemente de esquerda e, “pior”, segundo uma das intérpretes, o “tenebroso” governo Bolsonaro.
Antes da mística o empresário Carlos Bernardo já havia se encarregado imprimir simbolismo ao evento. Convidado para descer até a churrasqueira (onde uma novilha doada pelos assentados estava sedo assada num braseiro de chão), por uma trilha íngreme que se fecha em V, na hora da subida do retorno, mesmo com sol a pino, preferiu a perna da esquerda, embora mais comprida. Esbaforido, ao chegar ao topo, talvez por sua presença num evento tão inusitado, para sua condição de empresário e fazendeiro, voltou à temática ressuscitada nos tempos bolsonaristas: “sempre fui de centro-esquerda”, para justificar sua recente filiação ao União Brasil, partido nascido da fusão conservador Democratas com o PSL de Bolsonaro, concluindo seu raciocínio com uma analogia de que o caminho para o céu, por ser o mais difícil, como o dos sem-terra, deve ser o da esquerda.
Para Bernardo, no entanto, o que calou mais fundo em sua alma, entre todos esses simbolismos, foi o aviso do mestre de cerimônias para o almoço: “Chegou a hora mais esperada, até porque temos hoje um almoço melhorado”, formando-se uma enorme fila, só que em vez dos tradicionais “talheres” exigidos para essas ocasiões, a maioria portava apenas uma dessas embalagens simples, de plástico, como as de sorvete. Com apenas um garfo, como se não houvesse carne para cortar.