Derrota do governo em MP do IOF esconde articulação do agro para barrar imposto sobre bets

Além de aumento mais modesto que proposta do governo, membros da bancada ruralista propuseram reduzir impostos para bets

Outubro 13, 2025 - 10:48
Derrota do governo em MP do IOF esconde articulação do agro para barrar imposto sobre bets

Antes mesmo de a oposição ao governo derrubar a Medida Provisória (MP) 1303/2025, que elevaria impostos sobre setores da economia para aumentar a arrecadação a partir de 2026, as bets já tinham saído vencedoras.

No dia 7 de outubro, véspera da derrubada da apelidada “MP do IOF” no Congresso, o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), havia desistido de aumentar a taxação dos lucros de operadoras de apostas esportivas para gastos sociais de 12% para 18%, como inicialmente proposto pelo governo. O recuo do relator foi explorado pela oposição em discursos e entrevistas, e alvo de articulações nos bastidores.

A Agência Pública encontrou digitais da bancada ruralista e do Instituto Pensar Agro, que promove o lobby do agronegócio, em parte das 678 emendas apresentadas por parlamentares no bojo da MP do IOF.

Atual vice-líder da Frente Parlamentar Agropecuária, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) apresentou, em 17 de junho, uma emenda que propunha taxação de 16% dos lucros para gastos com “seguridade social”, em vez dos 18% propostos pelo governo. O texto começava assim: “a presente proposta foi elaborada a partir [de] debates com a Frente Parlamentar Agropecuária – FPA e o Instituto Pensar Agro”. Também conhecido pela sigla IPA, o instituto reúne as maiores multinacionais do agro e serve como ‘cérebro’ do lobby ruralista na capital federal.

Como mostra o portal do Congresso Nacional, na justificativa, Jardim usou o mesmo texto contido em outras oito emendas apresentadas naquela data por outros dois senadores e seis deputados – todos da bancada ruralista. São eles: os senadores Jorge Seif (PL-SC) e Soraya Thronicke (Podemos-MS) e os deputados Daniela Reinehr (PL-SC), Domingos Sávio (PL-MG), Luiz Fernando Vampiro (MDB-SC), Luiz Ovando (PP-MS), Rafael Simões (União–MG) e Silvia Waiãpi (PL-AP).

No caso da emenda do senador Jorge Seif, o parlamentar ressalta que as mudanças trariam benefícios “sem comprometer a competitividade das operadoras” de apostas.

Senador discursa no plenário durante sessão que tratou da MP do IOF.

Aumento zero?

Se alguns membros da bancada ruralista foram contidos ao pedirem a redução de apenas dois pontos percentuais do valor destinado à “seguridade social” na comparação com a proposta do governo para a MP do IOF, houve quem fosse mais ousado.

O deputado federal João Carlos Bacelar Batista (PV-BA) pediu, por meio de outra emenda, que fosse retirada do texto o aumento da taxação das casas de apostas por completo, mantendo a tributação nos atuais 12%. Bacelar é autor de outra proposta, de 2023, para que apenas ganhos em casas de apostas superiores a R$ 10 mil fossem tributados no Imposto de Renda.

Deputado sentado em comissão da Câmara acompanha discussão sobre a MP do IOF.

Nos últimos anos, o deputado tomou a dianteira em diferentes discussões sobre a legalização e regulamentação das bets. Ainda em 2023, o deputado do PV sugeriu ao menos sete emendas à MP que então regulamentava as bets temporariamente, antes da aprovação da lei que regulamentou a atividade no país. Uma dessas emendas sugeria que fosse “permitida a intermediação de apostas de loterias por agentes privados”, e não apenas às operadoras de apostas esportivas.

Em 2019, Bacelar Batista liderou a criação da Frente Parlamentar Mista pela aprovação do Marco Regulatório dos Jogos. Com as bets sem regulamentação à época, ele disse: “os brasileiros jogam e jogam muito. Nas loterias oficiais, bancadas pelo governo; 20 milhões de brasileiros jogam este jogo genuinamente brasileiro, que é o Jogo do Bicho; milhões estão aí nos jogos online; outro número muito grande está no bingo. Enfim, os brasileiros não estão impedidos de jogar, o governo brasileiro é que está impedido de arrecadar”.

Deputado fala ao microfone no plenário da Câmara dos Deputados durante debate sobre a MP do IOF.

Redução drástica

O primo de Bacelar Batista, o liberal João Carlos Bacelar (PL-BA), e o republicano Gabriel Mota (Republicanos-RR), ambos da bancada ruralista, foram ainda além: propuseram um corte dos atuais 12% dos lucros das casas de apostas para apenas 3%.

Em sua justificativa, o liberal Bacelar alegou que a “medida proposta pelo Governo compromete a permanência de diversas empresas no território nacional, reduzindo significativamente sua margem operacional”. Sem citar nomes, o deputado disse que “diversas operadoras já manifestaram a intenção de devolver suas licenças e encerrar suas atividades no Brasil, agravando ainda mais o quadro de informalidade”. No passado, o deputado também foi autor de um projeto de lei “contra agentes ilegais” no ramo das apostas.

A Pública procurou todos os parlamentares citados para entender os motivos de seus pedidos por taxações menores que a planejada pelo governo sobre as bets, mas não houve retorno até a publicação deste texto. Caso se manifestem, haverá atualização.

No fim das contas, a oposição sequer precisou votar o mérito da matéria na Câmara. O governo tinha enviado o texto para o Congresso em junho, antes do recesso parlamentar, mas congressistas impediram seu avanço até a véspera do fim da validade da medida, no dia 8 de outubro. Ao ser retirada da ordem do dia, por 251 votos a 193, a MP do IOF acabou derrubada, por estourar o prazo e “caducar”, ou seja, perdeu a validade. A gestão Lula agora deve buscar medidas alternativas para compensar a perda de arrecadação, estimada em mais de R$ 30 bilhões para o biênio 2025 e 2026.