Michelle Bolsonaro: entre candidata a presidente e fala submissa

Ela não nega nem se afirma candidata e usa a figura de esposa obediente como capital político — quem é Michelle?

Outubro 27, 2025 - 11:37
Michelle Bolsonaro: entre candidata a presidente e fala submissa

Michelle Bolsonaro não tem medo do palanque. Há anos, ela vem acumulando popularidade, sobretudo entre as mulheres e os evangélicos. A ex-primeira-dama do governo de Jair Bolsonaro, atualmente é a presidente do PL Mulher e uma poderosa articulista do campo bolsonarista, além de ser um nome forte para a disputa presidencial. Mas sua candidatura ainda é uma incógnita e seu discurso de esposa submissa ao marido parece contradizer o protagonismo político conquistado nos últimos anos.

Logo após a condenação de Bolsonaro, que está inelegível até 2030, a ex-primeira-dama afirmou ao jornal britânico The Telegraph, que estaria pronta para assumir uma candidatura. Ela disse inclusive que se levantaria “como leoa” na defesa dos valores conservadores, porém, mudou de postura logo que Bolsonaro, descartou candidatura da esposa ao Planalto. Assim, voltou atrás, afirmando que não quer ser presidente, mas sim “primeira-dama”.

À Agência Pública, por meio da assessoria de imprensa, Michelle não afirmou nem negou que seja candidata. “No momento, não me declaro candidata a nenhum cargo e não estou dedicando o meu tempo para trabalhar nesse sentido”, disse. Contudo, afirmou mais adiante que sua a decisão depende de um chamado divino: “se no futuro houver outro chamado [para a candidatura presidencial], ele virá de Deus — e, como sempre, obedecerei”, porém, não sem antes debater “com o meu marido, com minhas filhas, com o partido.”

Ela não acha que se diminui ao se colocar apenas como primeira-dama. “Estou reafirmando o meu chamado de servir, independentemente de ter ou não um mandato. Liderar não é apenas ocupar cargos; é influenciar pelo exemplo, pelos valores e pelas atitudes”, respondeu à Pública. “Não vejo o papel de esposa como algo ‘menor’ ou ‘limitado’. Muito pelo contrário. Acredito que a força da mulher está justamente em sua capacidade de equilibrar diferentes papéis, sejam eles quais forem, profissionais ou não, com amor, garra e sabedoria”, acrescentou. Leia a íntegra das respostas.

Não é a primeira vez que Michelle, que é evangélica pentecostal, usa a narrativa da “esposa” obediente como um capital político. Quando assumiu a dianteira da estratégia bolsonarista, na campanha presidencial de 2022, ascendendo como grande trunfo da extrema direita frente à alta rejeição do eleitorado feminino a Bolsonaro, ela fez questão de fortalecer a imagem “ajudadora do esposo”, da mulher que ora pelo marido, e até justifica seus atos – incluindo falas misóginas e machistas, como sua principal plataforma.

Foi com esse discurso que Michelle arrastou multidões em viagens pelo país, pedindo votos para Bolsonaro. Desde as últimas eleições presidenciais, ela só fortaleceu essa capacidade de mobilização, falando diretamente com as mulheres evangélicas, um eleitorado disputado. Agora, ela tem sido uma das principais porta-vozes da narrativa de perseguição política ao marido, nas manifestações por anistia dos acusados da tentativa de golpe de Estado, onde faz orações e falas emocionadas. “Meus amados”, disse em um dos atos, no último 7 de outubro, em Brasília, “não estamos lutando contra homens e mulheres, nós estamos lutando contra principados e potestades”, completou, em referência a um texto da Bíblia.

“Não vejo o papel de esposa como algo ‘menor’ ou ‘limitado’. Muito pelo contrário”, respondeu Michelle Bolsonaro à Pública

Contradição ou estratégia?

Entre a “leoa” intrépida no palanque e a religiosa recatada há menos contradições do que possa parecer, analisa Jacqueline Teixeira, antropóloga e pesquisadora que estuda mulheres pentecostais na política. “É estratégico. Mas não uma estratégia de uma intencionalidade que controla todo o efeito disso”, explica. Segundo Teixeira, o discurso assumido por Michelle é “fundamental para construir a legibilidade desse pensamento político [conservador]”. “Então, se apresentar publicamente como uma mulher capaz de se sacrificar pelo bem da sua família é uma coisa esperada”, explica.

Ao se colocar como uma mulher abnegada, que faz grandes sacrifícios em prol da sua família, a ex-primeira-dama conquista sobretudo um público feminino, que se identifica com essa realidade, diz a pesquisadora. “Essa é uma capacidade que não é vista como uma submissão, que esvazia a potencialidade dessa mulher. É sim um ponto importante para produzir uma imagem política de muita força e uma sensação muito significativa de representatividade”.

Para ela, se trata de uma lógica muito mais profunda, que está na base de um pensamento “que tem relação com a realidade dessas mulheres, mas que não deixa de ser estruturalmente também patriarcal e misógino.”

Ao se apresentar como uma mulher que faz sacrifícios pela família, Michelle Bolsonaro produz imagem política forte e representativa para mulheres

Articuladora política

Forte articuladora política e impulsionadora de campanhas. É assim que Christina Vital, professora que coordena o Laboratório de Estudo Socioantropológicos em Política, Arte e Religião da Universidade Federal Fluminense (UFF), vê Michelle Bolsonaro. “Como presidente nacional do PL Mulher, ela foi responsável por um crescimento de 930% no número de mulheres filiadas ao partido em 2024 e na eleição recorde de 995 mandatárias municipais”, diz a pesquisadora.

Segundo Vital, a ex-primeira-dama descobriu a receita para ampliar sua influência política: “Ela tem crescido na conexão com as bases sociais, através de estratégias que vão desde produção de livros, palestras motivacionais, até a realização de reuniões religiosas com debate político. É um grande trunfo do trabalho dela: falar da política de modo muito pragmático, dizendo da sua importância para a melhoria de vida das mulheres em seu cotidiano.”

Vital e Teixeira acham improvável uma candidatura de Michelle à presidência no próximo ano. Elas apostam que ela disputará uma vaga no Legislativo – ou para o Senado ou como deputada federal. “Não apenas pelas disputas, mas pela dificuldade no contexto das próprias linguagens mais masculinistas da direita política em aceitar e lançar a candidatura de mulheres. A gente viu o quanto foi difícil o lançamento da candidatura de Damares Alves [ex-ministra de Bolsonaro] ao Senado. Ela seria uma aposta muito grande no Legislativo porque tem um colégio eleitoral importante, seja no Sudeste, no contexto do Rio de Janeiro ou São Paulo, ou mesmo no Centro-Oeste, que é o território dela”, analisa Teixeira.

Ao mesmo tempo em que, de forma misógina, os partidos dificultam candidaturas de lideranças femininas como Michelle, eles não podem prescindir delas. Mesmo na extrema direita. “Exatamente porque são candidaturas que conseguem arrebatar muitos votos. O caso da Damares é muito emblemático para pensar isso. A gente está falando de uma candidatura que realmente encontrou muita resistência e se definiu quase no fim do prazo, mas que recebeu 700 mil votos”, lembra Teixeira. Vital acrescenta que o apoio político de Michelle foi fundamental para viabilizar a candidatura de Damares. “Ela [a senadora] foi abandonada pelos líderes de extrema direita em 2022 e a mão que Michelle lhe ofereceu foi fundamental”.

Segundo a própria Michelle, seu foco este ano continua sendo “cuidar da minha família, fortalecer o PL Mulher e expandir as nossas ações em todos os estados, para que mais mulheres de bem possam ocupar mais espaços nas esferas de decisão e de poder, na política, nos negócios e na comunidade.” Mas o momento é de costuras políticas e a ex-primeira-dama deve “avaliar muito bem os seus passos em 2026”, aposta Vital. “[Ela] sabe da grande visibilidade de suas ações frente ao seu capital político acumulado desde 2018 e, acentuadamente, a partir de 2022”, considera. “Michelle tem se tornado um player cada vez mais poderoso, eleição a eleição. De modo que, em um futuro não muito distante, pode ganhar até autonomia em relação às figuras políticas as quais está atrelada hoje”, vaticina.